Vivo num Monte
Nasci no Alentejo, vivo no Alentejo e não me vejo noutro lugar.
Nasci rodeado de gente de trabalho, dura, séria, gente de palavra, de aperto de mão forte, resiliente como agora gostam de dizer, mas acima de tudo gente marcada pelo sol e pela dureza do dia a dia.
Éramos todos família, amigos, vizinhos e todos fazíamos a nossa vida.
Em Montes vivíamos. Uns com mais espaço, outros com menos, uns com mais família, outros com menos, mas todos aprendemos a viver da terra que o Monte tem e dos animais que o Monte pede porque a pobreza assim o exigia.
E essa dificuldade diária afastou muitos do Alentejo. Muitos se mudaram, se afastaram, procuraram outras oportunidades noutros lugares. Onde não há Montes.
Com o passar dos tempos e a evolução das coisas, começaram a surgir no Alentejo toda uma gente que por aqui passam, que não vivem da terra nem com ela, mas que dizem que gostavam de o fazer. É algo que sempre me espanta.
Quando me perguntam como é ter um monte, digo que todos os dias me levanto antes do nascer do sol.
Todos os dias sou responsável por umas dezenas de animais que por mim aguardam porque de mim dependem e em mim confiam.
Levanto-me para abrir os portões, encher comedouros e bebedouros, afagar as mais mimosas, mostrar-me às mais ariscas.
Conheço-as todas e elas a mim. Os cheiros são só nossos, os sons pessoais e intransmissíveis e as agruras que nos acompanham são segredos nossos.
A comunicação é feita com simplicidade e assertividade. A mesma que sempre conheci e a mesma com que elas comigo falam.
Todos os dias asseguro a limpeza dos espaços, o inventário das necessidades, a reposição dos consumíveis, a distribuição e a organização dos pastos, mesmo que faça sol, chuva, nevoeiro, vento, tempestade, dor de cabeça, doença, desesperança, cansaço.
Rodeando o Monte há sempre terra que exige muito de nós porque de nós depende e por nós aguarda.
Todos os dias me levanto com o sol a nascer para dela cuidar, limpar, lavrar, amanhar, cultivar, regar, mondar. E também rezar para que não chova muito nem pouco, para que não vente muito nem pouco, para que não aqueça nem esfrie muito nem pouco.
Um monte não é uma herdade, ser criador de animais e agricultor não é ser rico pelo que a tudo o que se faz quando o sol nasce, incluímos o exercício de outras profissões que nos asseguram o sustento, a reforma, a convivência social.
Por isso, ao fim do dia, quando o sol se deita, volto a ser o responsável por uma mão cheia de animais que de mim dependem e por mim aguardam, para o aconchego da noite, para que feche os portões que as protegem dos predadores naturais.
Vivo num Monte.
Vejo o sol nascer cheio de cor, acompanhado pelo canto dos pássaros.
Oiço o vento, sinto a textura da terra, agarro a chuva com as mãos.
Recebo alegria dos meus animais todos os dias.
Apanho uma alface, uma couve, um molho de coentros ou beldroegas e sei de onde vêm e como vieram.
Sou parte de alguma coisa, ajudo a nascer e permito crescer.
Observo, cheiro, sinto e saboreio a Natureza como poucos.
Texto e fotos da autoria de Vivaldo Fortes.